É frequente a pergunta “por que ele usa drogas?”, seguida da observação de que ele sempre teve de tudo, do bom e do melhor, boas escolas etc… Esta questão possibilita inúmeras reflexões, não cabendo uma resposta única. Lembro de um dos principais psicanalistas, Wilfred Ruprecht Bion, que em um dos seus artigos comenta sobre o desenvolvimento aparentemente normal de uma criança que na adolescência começa a apresentar-se mais ansiosa, insegura, com medo dos relacionamentos, irritadiça, baixo rendimento escolar, entre outros sintomas. Esse mesmo psicanalista em outro artigo escreve que ao observar seu paciente de 60 anos ou mais, conforme o ângulo que o observa, lhe parece uma pessoa com diferentes idades… Estamos falando dos múltiplos aspectos da personalidade de um indivíduo que mostra áreas diversas, mais evoluídas ou mais primitivas.
Alguns dos sintomas mais frequentes correspondem ao distanciamento dos familiares, rivalidades com as pessoas, principalmente aquelas que estão mais próximas, comportamento desafiador. A dificuldade em estabelecer contato com a realidade, as mentiras frequentes e as manipulações visando esconder seus reais conflitos. Com frequência, o paciente tem pensamentos suicidas e algumas tentativas frustradas de cometê-lo.
Outros quadros psiquiátricos sem a dependência de substâncias apresentam sintomas parecidos, de modo que após a desintoxicação química dos dependentes há uma semelhança muito importante entre os pacientes. Não raramente, outras psicopatologias estão associadas.
Nosso desenvolvimento emocional e sexual ocorre desde o nascimento, prolongando-se por toda a vida. Na infância e adolescência pode atingir o seu auge, com o aparecimento dos problemas. O intenso amor pelos pais no começo da vida tende a se transformar em amor por um dos pais, rivalidade em relação ao outro, ou mesmo rivalidade em relação a ambos.
A criança ou o adolescente encontra dificuldade em conciliar sentimentos de amor e ódio. Muitas vezes odiamos a mesma pessoa que amamos. Somos seres com a característica da ambivalência. A saúde consiste em integrar os opostos, amor e ódio, com tolerância, paciência, com capacidade de empatia e compaixão.
Sentimentos de inferioridade, ansiedade intensa, tristeza ou depressão, hiperatividade e deficit de atenção são frequentes nas crianças e nos jovens, muitas vezes levando-os a automedicação, numa busca de alívio para o seu sofrimento.
Todos nós estamos sujeitos a duas forças inconscientes instintivas muito presentes e intensas. Uma que constrói e outra que destrói. Sigmund Freud identificou-as e as denominou de instinto de vida e instinto de morte. O instinto de vida ou pulsão de vida integra aspectos ambivalentes da personalidade. Favorece áreas amorosas e construtivas, possibilita uma melhor resolução do conflito edipiano, superação de rivalidades, ciúmes, inveja entre outros sentimentos, possibilitando melhor desenvolvimento de uma mente saudável e fértil. O instinto de morte desvitaliza a pessoa, gerando ansiedade e muitos outros sintomas desagradáveis, entre eles o medo. Favorece a desintegração entre amor e ódio, manutenção das mágoas, rivalidades, irritabilidade, ódio, pensamentos suicidas ou homicidas. Pensamento onipotente, delirante, impossibilidade de ouvir e estabelecer contato com a realidade, impossibilidade de aprender, sentimentos de que os outros não gostam dele escondem a violência que está na própria mente do paciente.
Esta complexidade da vida mental aqui apresentada num breve resumo, faz com que o tratamento de pessoas com dependência química e de outros transtornos mentais necessitem de uma boa abordagem psicoterapêutica, com base psicanalítica, favorecendo a retomada ou mesmo o início do desenvolvimento emocional do paciente. Apresentar o indivíduo a si mesmo, ajudá-lo a acolher as suas próprias dificuldades e poder pensar sobre elas, afastando a visão moralista que costuma estar presente na representação do certo ou errado, culpado ou inocente. Transformar a desesperança em esperança de que é possível conhecer-se melhor, ter mais amor pela sua vida e pelas suas relações, criando uma perspectiva de crescimento e desenvolvimento das sua potencialidades.
Evidentemente, não temos um remédio milagroso. A própria droga era uma busca deste milagre que se mostrou impossível. As medicações psiquiátricas quando bem indicadas, com uso de neurolépticos sempre que necessário, são de extrema importância, ajudando o paciente a melhorar o contato com a realidade.
Dr. José Carlos Vasconcelos