Um milagre de 31 anos só por hoje

Um milagre de 31 anos só por hoje

Só por hoje o signatário completa 31 anos de sobriedade e também de voluntariado na clínica onde, no terceiro internamento, começou a recuperar o controle sobre a própria vida. Aos que ainda sofrem, assim como a quem os ama e não conseguem enxergar uma saída, nunca desistam de enfrentar a doença incurável, mas controlável. Há, sim, um “poder superior”, como nos ensina o A.A. e o N.A., que conseguimos identificar no fundo de nossas almas – essa onde dominam o medo, mistérios e feridas, que não sabemos como surgiram ou se nascemos com eles. Então eles ficam do tamanho que são, porque, com ajuda, conseguimos olhá-los de frente, e descobrimos quem somos, ou seja, sentimos a vida na sua exata dimensão. Todo dia, antes de começar o trabalho, eu paro na porta do escritório e olho com o coração uma araucária de cinquenta que impera no terreno do vizinho dos fundos. Ruy Castro, perto da morte, se iluminou ao saber que seu poder superior era a própria mente, privilegiada. Ele nunca mais bebeu. Um menino que tomava conta de um estacionamento perto do Palácio Iguaçu se encontrou numa igreja evangélica e as pontas dos dedos nunca mais se queimaram acendendo pedras de crack. Outro conversou com Deus numa igreja vazia. Amigo do blog sai do 18º internamento na semana que vem e a mãe, que ele já ameaçou de morte com uma faca, está mais do que confiante de que agora “a chave vira”, ou “cai a ficha”, como os internados em 1994 junto comigo diziam. Dos que conheci, dois estão conseguindo; um em Arçoiaba da Serra, em São Paulo, alcoólatra, e outro aqui em Curitiba, que fazia uso da cocaína como este que faz aniversário de vida hoje. Nós pedimos ajuda, aos profissionais da área, ou seja, psiquiatras, psicólogos, enfermeiras – e este passo é fundamental. Sabemos que a dependência não tem cura e ela não se restringe às drogas ilícitas e licitas. Há os que apostam, jogam pela internet, etc, etc. Nos últimos anos aumentou significativamente o número daqueles que não estão na lista de usuários de substâncias, mas tentam suicídio por doenças mentais terríveis, como a depressão, desencadeada por fatores emocionais. Certa vez uma paraguaia internada na Quinta do Sol disse, em reunião dos pacientes, que ela não usava droga, não bebia, que não deveria estar ali. Um menino ao lado dela disse – e me ensinou, que a única diferença que havia entre eles era o uso, e que a doença era a mesma de todos ali. Perfeito. Tratamento é se conhecer, coisa que temos medo, nos defendemos de nós mesmos, e no uso tentamos aliviar as dores buscando uma saída nos entupindo e nos iludindo com as substâncias que atuam no sistema nervoso central. Também é tentativa de suicídio. Podemos matar inocentes (acontece todo dia com os bêbados no trânsito). Privilegiado, nunca feri ninguém, só a mim mesmo – e não morri, destruindo carro em poste, no período do álcool, por milagre. No uso da cocaína injetável baixei hospital com princípio de septicemia. A literatura do  A.A. é certeira ao afirmar que nós somos um milagre. Só por hoje.

Zé Beto ( https://www.zebeto.com.br/2025/10/24/um-milagre-de-31-anos-so-por-hoje/ )

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