Clínica de recuperação não é tenda de milagres, onde se entra por uma porta e sai pela outra “curado” para todo o sempre. Mas nesta Quinta do Sol eu aprendi que é possível ser protagonista do milagre da sobriedade só por hoje. Entrei nela num sábado de 1994. Saí 45 dias depois com a indicação das ferramentas necessárias para me manter sóbrio, coisa que faço principalmente porque volto a ela duas vezes por semana, como voluntário, basicamente para não esquecer minha doença e, quem sabe, mostrar aos que estão internados que é possível.
Há uma completa falta de informação sobre o que é um tratamento, sobre o que se passa dentro de uma clínica e, principalmente, sobre o que é essa doença que tanto sofrimento causa aos portadores e familiares. Aprendi que a drogadição é um sintoma da verdadeira doença, de cunho emocional. Numa clínica o que aprendemos é a perder o medo de nos olhar-mos, de procurar entender nossas dores, nosso comportamento, enfim, de entendermos que a vida só pode ser vivida em sua plenitude, com muitas coisas boas e algumas ruins, se tivermos o controle dela. Com o uso de drogas isso é impossível.
Tive três internamentos ao longo da minha vida. O primeiro pelo uso do álcool, que substituí pela cocaína – razão dos dois outros. Aprendi, por isso, e sempre repito, que sou dependente principalmente das drogas que não conheci. Foi nesta clínica que entendi que a doença é uma só, não importa que droga eu use. Também aprendi que não há cura e, sim, controle. É isso que faço nestes quase 18 anos.
Já tive crises neste espaço de tempo, mas sempre soube, por ter aprendido, que nelas eu estava correndo risco. Risco da recaída. Fiz sempre o que se recomenda: procurei ajuda. Dos meus terapeutas, dos meus companheiros de voluntariado, dos meus amigos internados, pois sempre aprendo mais um pouco e cada conversa, em cada seminário onde falo.
Costumo repetir aos meus companheiros de doença que não sou nada diferente daquele que se internou pouco antes de eu chegar ali. O que nos une é o fato de não estarmos usando drogas.
Saí do internamento da Quinta do Sol com 40 anos. Já tinha os três filhos que praticamente não vi nascer nem crescer. Dei graças a Deus nunca ter matado ou ferido alguém, só a mim mesmo, fisicamente. Nas entrevistas que dou em rádio, TV e jornal sobre o assunto, ou nas palestras que faço em empresas e colégios, brinco sempre que meu tempo sobriedade – e de felicidade, ainda não empatou com o de sofrimento.
Na verdade eu sou feliz também e principalmente porque a recuperação me deu algo que pouca gente conhece: eu posso comparar o tempo das bebedeiras, do uso da cocaína na forma injetável, com o que vivo agora.
Faço minha terapia, tomo meus remedinhos e vou à clínica sagradamente. É a maneira que aprendi lá mesmo – e funciona. Neste tempo consegui enxergar e me reaproximar dos meus pais, dos meus filhos, das pessoas que sempre me amaram, da forma que eles aprenderam.
Tenho muito que aprender ainda, mas essa é a grande experiência da vida. A lição básica, é que priorizo meu tratamento, ou seja, cuido da minha doença. Sem isso, nada será possível, inclusive errar e remediar. Devo isso aos primeiros passos dados na Quinta do Sol. Por isso me considero um privilegiado e agradeço por ter tido essa chance.